Calvino “está um nível acima de qualquer comparação, no que diz respeito à interpretação da Escritura. Os seus comentários precisam ser muito mais valorizados do que quaisquer dos escritos que recebemos dos pais da igreja”! Esse endosso entusiasmado de Calvino e de seus dons como comentarista e intérprete bíblico foi emitido por aquele que é considerado o seu grande inimigo: Jacobus Arminius! Charles Haddon Spurgeon, registra isso e classifica o comentarista Calvino como “príncipe entre os homens” e apresenta, ainda, a citação favorável de um Padre Católico Romano (Simon): “Calvino possui um gênio sublime”.
O que levaria Armínio, que divergiu com tanta intensidade da compreensão calvinista da soberania de Deus e da extensão da escravidão ao pecado na qual se encontra a humanidade; ou mesmo um católico romano, com sua discordância do modo de salvação defendido por Calvino, pronunciar tais elogios sobre João Calvino?
Certamente eles se rendem à precisão, devoção e seriedade com as quais João Calvino aborda a Palavra Sagrada, em seus escritos. Spurgeon destaca a sinceridade de Calvino e a tônica que o classifica como um exegeta, em paralelo a todas às suas demais qualificações. Ele disse, “a sua intenção honesta foi a de traduzir o texto original, do hebraico e do grego, com a maior precisão possível, partindo desse ponto para expor o significado contido nas palavras gregas e hebraicas: ele se empenhou, na realidade, em declarar não a sua própria mente acima das palavras do Espírito, mas a mente do Espírito abrigada naquelas palavras”. É por isso que Richard Baxter deu esse testemunho: “Não conheço outro homem, desde os dias dos apóstolos, que eu valorize e honre mais do que João Calvino. Eu me aproximo e tenho grande estima do seu juízo sobre todas as questões e sobre seus detalhes”.
É nessa linha e atribuindo esse valor, que devemos receber e apreciar os escritos de Calvino. Além do mais conhecido - As Institutas da Religião Cristã (tradução curiosa, que teria sido melhor vertida como: "Os Fundamentos da Religião Cristã"), temos a excelência dos seus comentários, como já apresentou o Dr. Mauro Meister, no seu post anterior.
Romanos foi o primeiro comentário escrito, em 1540, e, na seqüência, as demais cartas de Paulo. O comentário sobre a Segunda carta de Paulo aos Coríntios foi o terceiro livro escrito nessa série, concluído em agosto de 1546 (1 Coríntios foi concluído em janeiro de 1546; os comentários às demais epístolas de Paulo foram concluídos em 1548). Seu último comentário foi publicado em 1563. Todos esses livros foram originalmente escritos em latim. Para completar a totalidade da Bíblia, ficaram faltando: Juízes, Rute, 1 e 2 Samuel. 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Esdras, Nemias, Ester, Jó, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, 2 e 3 João e Apocalipse). Quando Calvino faleceu, ele estava escrevendo o comentário de Ezequiel.
Seguindo o seu costume, Calvino iniciou o Comentário da Segunda Carta aos Coríntios com uma dedicatória feita a Melchior Wolmar Rufus, um alemão muito famoso, professor de Direito Civil, alvo de sua profunda gratidão. Teodoro Beza (1519-1605) escreveu o seguinte sobre Melchior Wolmar, em sua “Vida de João Calvino”: “A sua erudição, piedade e outras virtudes; em conjunto com suas habilidades admiráveis como professor de jovens, não podem ser suficientemente destacadas. Em função de uma sugestão sua e por sua atuação, Calvino aprendeu a língua grega”. Assim, em meio aos seus estudos de advocacia, Calvino, aos 22 anos de idade, aprende a dominar uma das línguas originais da Bíblia, formando o alicerce de sua vida eclesiástica, como exegeta, hermeneuta e teólogo.
João Calvino é reconhecidamente um exegeta, um hermeneuta e um mestre em poimênica, mas ele é, antes de tudo, um Teólogo Sistemático. Certamente ele é mais famoso por seu tratado de teologia – As Institutas. Mas é nos comentários que ele escreveu ao longo de sua curta vida, que ele demonstra o apreço que tem para a fonte de sua sistematização teológica – a Bíblia. Os Comentários são importantíssimos, pois derrubam a pecha de que Calvino é um racionalista cujas ilações contrariam não somente o bom senso, mas o próprio ensino da Palavra de Deus. Não pode ser aceita, portanto, a visão propagada por oponentes de Calvino, de que ele deixa a visão orgânica do Reino para trás e embarca em um delírio racional, que o leva a conclusões sobre a soberania de Deus não encontradas nas Escrituras. Ora, é exatamente na Palavra de Deus, estudando texto a texto, onde Calvino encontrará a base para reafirmar e extrair todas as suas convicções e ensinamentos. Não deve nos surpreender que Calvino, o teólogo sistemático, começasse comentando Romanos (que ele considerava a chave para a interpretação correta das Escrituras) e as cartas de Paulo aos Coríntios. Estes livros são sistemáticos na apresentação de doutrinas fundamentais da Fé Cristã, interpretando e aplicando os ensinamentos dos Evangelhos; explicando os fundamentos veto-testamentários; firmando os passos da igreja de Cristo na Nova Aliança.
É interessante, também, que mesmo quando Calvino se envolve em um mergulho profundo nos livros da Bíblia, trecho por trecho, para desvendar o seu significado e na busca das lições supremas registradas por Deus, ele não perde a visão sistemática das doutrinas. Assim, em seus comentários ele não se contenta apenas em dar um resumo do livro que passará a examinar, mas também apresenta “o argumento” que norteou o autor na escrita do livro: o desenvolvimento sistemático do raciocínio do autor, e a lógica argumentativa dos pontos que necessitavam ser estabelecidos pela carta.
Na segunda carta de Paulo aos coríntios (possivelmente a terceira que escrevia aos Coríntios, pois 1 Co 5.9, faz referência a uma primeira – antes de 1 Coríntios, possivelmente não inspirada, no sentido canônico), temos a continuidade de instrução a uma igreja marcada por graves problemas de conduta, eivada de incompreensões doutrinárias, que havia motivado duras repreensões da parte do apóstolo. As notícias mais recentes, entretanto, são encorajadoras (7.5-7) e é nesse clima que Paulo, em meio às suas instruções práticas, abre o seu coração, defende a sua autoridade apostólica e prepara aqueles irmãos para uma futura visita.
Calvino penetra no espírito dessa carta à Igreja de Corinto. Explicando palavra a palavra, ou frase a frase, conforme a necessidade – recorrendo ao seu extenso conhecimento da língua grega e fazendo comparações elucidativas – ele vai nos auxiliando o entendimento. Através do comentarista, passamos a entender Paulo melhor, não somente os seus sentimentos, mas as doutrinas cabais que procura passar aos seus leitores, como a abnegação do “eu”, ensinada em 1.3-11. Em Calvino, neste Comentário, encontraremos exposições magistrais, como por exemplo o ensino da pureza da Igreja, registrado em 6.14-7.1, onde ele nos dá o contexto completo da situação de envolvimento com descrentes vivida por alguns daquela igreja. Nesse trecho ele mostra que Paulo trata de questões que transcendem a comum aplicação ao matrimônio (“jugo desigual”), referindo-se à perda de foco do Povo de Deus e à promiscuidade relacional deste, com o mundo.
Ao relembrarmos o nascimento desse gigante de Deus, com ação de graças pelo seu legado, devemos orar para que o Soberano Senhor, através da leitura dos textos de Calvino, produza fruto de santidade e luz em nossas vidas.
Solano Portela
Texto extraído do blog: http://tempora-mores.blogspot.com/. Acessado dia 08.07.09 às 00:23h.
Nenhum comentário:
Postar um comentário